Na última semana, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a suspensão nacional de todos os processos judiciais relacionados à prática da pejotização. A decisão, que tem efeito imediato, interrompe o andamento de ações em todas as instâncias da Justiça até que o plenário do STF julgue o mérito do tema e defina um posicionamento definitivo.
A pejotização ocorre quando empresas contratam trabalhadores como pessoas jurídicas para evitar vínculos empregatícios regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Embora a medida seja defendida por algumas empresas como uma forma de flexibilizar as relações trabalhistas, críticos apontam que, em muitos casos, ela disfarça verdadeiros vínculos empregatícios, prejudicando os direitos dos trabalhadores.
Segundo a Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT), cerca de 460 mil ações trabalhistas sobre reconhecimento de vínculo empregatício foram abertas em 2024. O número total de processos suspensos será consolidado pelos tribunais brasileiros e informado ao STF.
A suspensão e seus impactos jurídicos
A suspensão nacional de processos é uma medida incomum e de grande impacto. Ela é aplicada apenas em casos com alta relevância e repercussão social, geralmente quando o STF começa a receber uma quantidade expressiva de recursos sobre o mesmo tema. Um dos processos é então selecionado para ser julgado com repercussão geral, o que significa que sua decisão será utilizada como orientação para todo o Judiciário.
O advogado trabalhista Dr. Luiz Eduardo Navarro, sócio do escritório Navarro & Taboada, aponta que a suspensão pode trazer benefícios ao reduzir a insegurança jurídica em torno do tema, mas adverte que o STF tende a ampliar as possibilidades de contratação por PJ, o que pode enfraquecer os direitos previstos na CLT.
“Essa decisão não elimina os riscos. É provável que o Supremo amplie as hipóteses de contratação por pessoas jurídicas, o que pode resultar em retrocessos importantes na proteção ao trabalhador”, afirma Dr. Navarro.
Pejotização versus terceirização: a confusão conceitual
Desde a reforma trabalhista de 2017, que permitiu a terceirização irrestrita das atividades-fim, a controvérsia sobre pejotização tem se intensificado. Dr. Navarro observa que o STF tem confundido pejotização com terceirização, embora sejam práticas distintas.
“A terceirização amplia a capacidade de delegar funções, mas não legitima a pejotização como uma forma de mascarar vínculos formais de emprego”, explica Dr. Luiz Eduardo Navarro. “Há uma linha clara entre as duas práticas, e misturá-las gera ainda mais insegurança jurídica.”
Para Navarro, muitos casos levados à Justiça envolvem trabalhadores que, na prática, exercem atividades com características de vínculo empregatício, como subordinação, habitualidade, pessoalidade e onerosidade, mas sem os direitos garantidos pela CLT, como férias, 13º salário, FGTS e previdência social.
Efeitos econômicos e perda de arrecadação
Além das consequências para os trabalhadores, a pejotização pode causar impactos econômicos significativos. Estudos indicam que, entre 2017 e 2023, a União deixou de arrecadar R$ 89 bilhões em tributos que seriam pagos caso os profissionais contratados como PJs tivessem vínculo formal.
Se o modelo continuar avançando, e metade dos trabalhadores formais no Brasil for convertida em prestadores de serviços com CNPJ, a perda de arrecadação poderá ultrapassar R$ 300 bilhões nos próximos anos, conforme estimativas econômicas.
O economista Nelson Marconi, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), destaca que a pejotização também enfraquece o poder de negociação dos trabalhadores. “A fragmentação da força de trabalho dificulta a organização coletiva, o que prejudica negociações por melhores condições e salários”, avalia.
Liberdade de contratação ou precarização?
O debate sobre pejotização reflete um dilema entre a liberdade de contratação e a proteção ao trabalhador. De um lado, as empresas ganham maior flexibilidade e previsibilidade em seus modelos de gestão. De outro, os trabalhadores podem enfrentar o enfraquecimento de direitos trabalhistas conquistados ao longo de décadas.
“O STF tem agora a oportunidade de estabelecer critérios claros que equilibrem esses dois princípios, protegendo o trabalhador sem inviabilizar as necessidades das empresas”, conclui Navarro.
A decisão do Supremo Tribunal Federal pode ser um divisor de águas para as relações de trabalho no Brasil, com consequências que transcendem o âmbito jurídico e afetam diretamente a dinâmica econômica e social do país.