Por Carlos Lima Cavalcanti Neto
Advogado.
O recente impasse entre a Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Bahia (OAB-BA) e o Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (TRT-5) trouxe à tona uma reflexão necessária sobre os limites do controle institucional e a importância da separação dos poderes na preservação do Estado Democrático de Direito.
O conflito começou quando o TRT-5 solicitou à OAB o envio de documentação complementar referente aos seis candidatos que compõem a lista sêxtupla para a vaga de desembargador destinada ao quinto constitucional. A presidente da OAB-BA, Daniela Borges, respondeu que não atenderia ao pedido, por entender que tal solicitação configuraria ingerência indevida na competência da entidade. O argumento central repousa sobre o artigo 94 da Constituição Federal, que estabelece de forma inequívoca um processo trifásico: cabe à OAB aferir os requisitos constitucionais dos candidatos e indicar a lista sêxtupla; ao Tribunal, reduzir essa lista a uma tríplice; e, por fim, ao Poder Executivo, nomear um dos escolhidos.
A separação dessas etapas não é mera formalidade. Trata-se de um mecanismo de autonomia e equilíbrio institucional que garante a legitimidade do processo. No ofício encaminhado ao Tribunal, a OAB-BA afirmou que o envio de documentação adicional abriria espaço para um controle de mérito por parte da Corte, algo não previsto pela Constituição e contrário à tradição republicana. A entidade ressaltou que, em todos os certames anteriores, a certificação da lista sempre foi considerada suficiente para atestar o cumprimento dos requisitos constitucionais pelos candidatos.
A posição da OAB encontra amparo recente na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6810, sob relatoria do ministro Dias Toffoli, reafirmou a autonomia normativa da Ordem dos Advogados do Brasil. No voto condutor, o STF reconheceu que a OAB não apenas indica nomes, mas exerce poder decisório próprio ao definir os critérios de seleção dos advogados que integrarão a lista sêxtupla, em exercício de competência constitucional exclusiva. A Corte foi clara ao afirmar que permitir reavaliação judicial ou administrativa sobre os critérios adotados pela OAB seria subverter a vontade do constituinte e fragilizar a separação das funções institucionais.
Sob essa ótica, a recusa da OAB-BA não se configura como resistência, mas como afirmação da lógica dos freios e contrapesos — princípio estruturante da democracia que impede a concentração de poder e assegura que cada instituição atue dentro dos limites de sua competência. O conceito, iniciado por John Locke, seguido e divulgado pela política de Montesquieu, no seu Espírito das Leis, incorporado ao modelo constitucional brasileiro justamente para evitar que um órgão subjugue outro.
É compreensível que o TRT-5, em um contexto de alta politização e atenção pública, deseje garantir transparência e lisura no processo. Contudo, transparência não pode se confundir com ingerência funcional. Se cada instituição passasse a revisar os critérios internos das demais, o sistema de equilíbrio entre os poderes seria substituído por uma relação hierárquica que o constituinte, de forma deliberada, quis evitar.
Ademais, a recusa do envio de documentos não afronta o Tribunal — ao contrário, preserva sua própria independência, impedindo que o quinto constitucional se transforme em instrumento de controle político ou institucional. Defender a autonomia da advocacia é, ao fim e ao cabo, defender a independência do próprio Judiciário, pois ambos formam pilares complementares do mesmo sistema de Justiça.
Ainda assim, o episódio revela a necessidade de maturidade e diálogo. A urbanidade entre as instituições é fundamental para a manutenção da confiança pública e da estabilidade democrática. A OAB e o TRT são parceiros históricos na construção da Justiça, e eventuais tensões devem ser resolvidas com respeito mútuo e cooperação, nunca por meio de enfrentamento.
Este caso OAB-BA × TRT-5 não se trata de uma disputa corporativa, na verdade é um teste de resistência do próprio princípio republicano. A separação dos poderes, longe de ser um obstáculo, é o que garante a liberdade e a pluralidade decisória em um Estado de Direito. Quando a advocacia cumpre sua missão constitucional de indicar nomes com independência, sem subordinação a outros órgãos, ela reafirma a confiança no texto constitucional e nas instituições que dele derivam.
Em tempos de descrédito institucional e de polarização, é alentador ver que a Constituição ainda serve como bússola. A atitude da OAB-BA mostra que autonomia não é isolamento, mas compromisso com o equilíbrio, a legalidade e o respeito às funções constitucionais de cada ente. Defender essa autonomia é, em última instância, defender a própria democracia — porque o poder só é legítimo quando se submete ao direito, e não o contrário.
Fontes:
Constituição Federal de 1988, arts. 2º e 94.
STF, ADI 6810 (DF) – Rel. Min. Dias Toffoli, Pleno, julgado em 19/05/2025.
OAB-BA, Ofício GP/OF/0974/2025, de 29/10/2025.
Cardozo, Cláudia. “OAB-BA cria impasse com o TRT ao recusar enviar documentos de candidatos à vaga de desembargador.” BNews, 30/10/2025.
Carlos Lima Cavalcanti Neto é advogado (OAB/BA 46.152), especialista em Direito Público, Especialista em Direito Legislativo, atua na área de consultoria legislativa há 30 anos.

