sábado, agosto 2, 2025
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Invisibilização de adultos neuroatípicos: quando os estigmas de um diagnóstico tardio podem se transformar em libertação

Aos 44 anos, a psicanalista Carla Mandolesi recebeu o diagnóstico simultâneo de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Superdotação(SD/ AH), uma condição relativamente comum e chamada na área médica de dupla excepcionalidade. A notícia, porém, virou uma chave em sua vida: além de fortalecer a relação com sua filha, Carol, também diagnosticada autista, TDAH e SD/AH, fez com que Carla, que já era ativista, se engajasse ainda mais na causa, esclarecendo sobre o diagnóstico tardio.

Apesar de parecer raro, a dupla excepcionalidade é mais comum do que se imagina, mas ainda existem tabus, preconceitos e falta de conhecimento em razão das complexidades e amplitude do espectro. O TDAH, por exemplo, é notado por sintomas como desatenção e hiperatividade. Já o autismo envolve baixa interação social e padrões de comportamento restritivos e repetitivos. Enquanto a superdotação é caracterizada pelo desenvolvimento intelectual acima da média. Para Carla, os sinais surgiram ainda na infância:

“Ser diagnosticada tardiamente não foi simples. Exigiu profissionais capacitados que buscaram olhar todo o meu histórico, e minha mãe foi fundamental neste processo. Foi ela quem contou sobre detalhes da minha infância, como por exemplo andar aos sete meses, falar claramente aos nove meses, não gostar de brincar com outras crianças, não aceitar areia no corpo, só comer macarrão, ovo, ou linguiça, o que me levou a ter anemia, inclusive. Enfim, o diagnóstico de uma pessoa adulta é mais demorado, e deve sim ser cuidadoso, e de preferência, com participação da família”, disse.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 2,4 milhões de pessoas no Brasil convivem com o TEA, sendo a prevalência maior entre crianças de 5 a 9 anos. Entre os adultos, a pesquisa divulgou que a proporção de diagnósticos é de até 1% da população, de acordo com a faixa etária. Por outro lado, estima-se que 5% da população brasileira possua altas habilidades ou superdotação.

Os dados, contudo, revelam os desafios para um diagnóstico neuroatípico eficaz na fase adulta, o que gera prejuízos nos mais variados setores da vida de uma pessoa, como riscos à saúde mental e física, dificuldades de relacionamentos e barreiras no mercado de trabalho. Mesmo tardio, o diagnóstico pode garantir autoconhecimento, independência e inclusão social.

“Com o diagnóstico, a vida da minha família mudou, especialmente pra mim. Desde antes do diagnóstico da minha filha, Carol, ser fechado, estudei muito sobre o autismo, comorbidades associadas, e sigo estudando. Fiz diversos cursos relacionados, até perceber que as mães precisavam muito de um olhar para elas, foi neste momento que me formei em psicanálise, e atualmente estudo Psicologia. Também me tornei instrutora de Yoga e Meditação, e, assim, criei um protocolo para atendimento de mães atípicas. Atualmente sou ativista da causa, informando sobre o autismo e suas comorbidades, falando sobre os direitos da pessoa autista, terapias baseadas em evidências científicas, e denunciando irregularidades. Desta forma, consegui seguir trabalhando, mas também cuidando da minha filha e suas demandas terapêuticas”, contou.

Hoje, dois anos após o seu diagnóstico, Carla ajuda milhares de mulheres neurodivergentes e mães atípicas através da página no Instagram @oautismoemnossasvidas, onde compartilha a sua rotina, desmistifica estigmas e ensina a lidar com os transtornos de neurodesenvolvimento com responsabilidade, leveza e humor.

Considerada uma das grandes vozes da comunidade autista, a psicanalista, que além de Diretora de Projetos de uma Instituição voltada para a causa neurodivergente, também é palestrante e recentemente participou de um seminário com o tema “Família Atípica”, ao lado de outras ativistas e especialistas na área neste mês de julho, em que foi comemorado o Dia Mundial do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).

“Os maiores desafios para a nossa comunidade está na sociedade, no despreparo, e até a não aceitação nas escolas, ausência de amigos, descumprimento de plano de saúde, ausência de políticas públicas efetivas e capacitismo. O autismo não é o problema, ele não define quem somos, no entanto o diagnóstico precoce dá a possibilidade de acesso às terapias, e, consequentemente, uma melhor qualidade de vida e libertação”, concluiu.

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